
Um, nenhum e cem mil, de Luigi Pirandello, é uma das obras mais emblemáticas da literatura italiana do século XX. Publicado originalmente em 1925, o romance explora com profundidade questões existenciais e psicológicas, como identidade, percepção e loucura. Considerado por muitos estudiosos como o ápice da produção literária de Pirandello, o livro representa uma virada moderna na maneira de abordar o sujeito e sua fragmentação frente à sociedade. Combinando ironia, introspecção e uma narrativa filosófica singular, a obra atrai leitores interessados em uma leitura que vai além da ficção convencional.
Um, nenhum e cem mil consolidou-se como leitura obrigatória para aqueles que desejam compreender a crise do eu na modernidade e continua sendo estudado em cursos de filosofia, psicologia e literatura ao redor do mundo. A obra é considerada também uma das precursoras da literatura pós-moderna e foi reconhecida por autores como Calvino, Beckett e Sartre, que enxergaram em Pirandello um antecipador dos dilemas modernos sobre identidade.
Sinopse de Um, nenhum e cem mil
A trama de Um, nenhum e cem mil gira em torno de Vitangelo Moscarda, um homem aparentemente comum que tem sua vida transformada por uma observação trivial feita por sua esposa: seu nariz pende ligeiramente para a direita. Esse comentário desperta uma crise de identidade profunda, fazendo com que Moscarda perceba que não se conhece de fato e que cada pessoa à sua volta o vê de forma diferente.
A partir dessa constatação, o protagonista embarca em uma jornada introspectiva e desconstrutiva, buscando descobrir quem ele realmente é por trás das múltiplas imagens que os outros projetam sobre ele. A narrativa acompanha essa busca obsessiva pela “essência do eu”, levando Moscarda a romper com seu passado, seus bens materiais, seus vínculos sociais e até mesmo com sua sanidade.
O livro não apresenta uma estrutura tradicional de enredo, mas sim uma série de reflexões e episódios que constroem um retrato fragmentado da identidade humana. Em Um, nenhum e cem mil, Pirandello propõe que cada ser humano é, ao mesmo tempo, um (para si mesmo), nenhum (porque não há essência fixa), e cem mil (para os outros, que projetam visões diferentes).
Mais do que uma história linear, o livro é uma profunda exploração filosófica sobre o conflito entre aparência e essência, entre o que somos e o que parecemos ser. A estrutura do romance, fragmentada e não linear, reforça o estado mental do protagonista, aproximando a obra de um diário filosófico. A obra é provocadora, instigante e deixa o leitor com mais perguntas do que respostas, sendo um marco do existencialismo literário antes mesmo de seu florescimento pleno.
Personagens principais de Um, nenhum e cem mil
1 – Vitangelo Moscarda
Protagonista e narrador da história, é um homem de classe média que, ao iniciar uma crise existencial, decide destruir as múltiplas imagens que os outros têm dele. Seu processo de desconstrução pessoal conduz toda a narrativa. Moscarda funciona como metáfora do sujeito moderno, em conflito com o olhar normativo da sociedade.
2 – Dida
Esposa de Moscarda, é quem dá início à crise de identidade do marido ao fazer um comentário aparentemente inofensivo sobre o nariz dele. Representa o olhar externo que desencadeia a desconstrução interna. Ela encarna o papel social tradicional e a estabilidade que Moscarda passa a rejeitar.
3 – Quantorzo
Funcionário do banco herdado por Moscarda, representa o mundo pragmático, burocrático e socialmente normativo. Sua presença contrasta com a busca filosófica e existencial do protagonista. Ele reforça os conflitos entre o cotidiano e a ruptura radical de identidade.
4 – Anna Rosa
Amiga de Dida, aparece em momentos cruciais da narrativa. Suas interações com Moscarda revelam aspectos importantes do questionamento sobre a verdade e a aparência. Sua visão crítica sobre o protagonista contribui para ampliar o embate entre identidade individual e percepção alheia.
Pontos positivos e negativos de Um, nenhum e cem mil
✅ Pontos positivos do livro
- Profundidade filosófica e psicológica
- Estilo literário inovador e introspectivo
- Questionamento provocador sobre identidade e percepção
- Narrativa rica em simbolismos
- Leitura que instiga reflexão contínua
- Originalidade temática em comparação com obras contemporâneas
- Relevância atual nos debates sobre identidade e autoimagem
❌ Pontos negativos do livro
- Estrutura não convencional pode confundir leitores acostumados com tramas lineares
- Repetição de reflexões pode parecer cansativa
- Pouca ação narrativa, o que pode afastar leitores que preferem enredos dinâmicos
- Linguagem densa em alguns trechos filosóficos
- Ausência de desenvolvimento emocional dos personagens secundários
Perguntas frequentes sobre Um, nenhum e cem mil (📌 FAQs)
📌 O livro Um, nenhum e cem mil é difícil de entender?
Depende do leitor. Embora tenha uma linguagem acessível, a profundidade filosófica e a ausência de enredo tradicional exigem atenção e reflexão.
📌 Qual é a mensagem central de Um, nenhum e cem mil?
A obra propõe que a identidade é fragmentada, múltipla e moldada pelas percepções alheias. Não existe um “eu” absoluto ou verdadeiro.
📌 Um, nenhum e cem mil é autobiográfico?
Apesar de não ser uma autobiografia literal, a obra reflete o pensamento e os conflitos existenciais do próprio Pirandello.
📌 O livro tem influência do existencialismo?
Sim. Embora tenha sido escrito antes do auge do existencialismo, antecipa temas centrais desse movimento filosófico.
📌 Há paralelos com a filosofia de Nietzsche?
Sim. Ambos abordam a fragmentação do eu, a crítica à moral tradicional e a rejeição de uma essência fixa do sujeito.
Sobre Luigi Pirandello
Luigi Pirandello nasceu em 28 de junho de 1867, em Agrigento, na Sicília (Itália). Foi dramaturgo, novelista e romancista, vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 1934. Sua obra é marcada pela exploração das múltiplas faces da identidade e pelas rupturas com convenções narrativas. Estudou filosofia na Universidade de Bonn, o que influenciou profundamente sua abordagem literária.
Além de Um, nenhum e cem mil, escreveu também obras importantes como O falecido Mattia Pascal e Seis personagens à procura de um autor. Pirandello é considerado um dos precursores do teatro moderno e da literatura psicológica. Morreu em 10 de dezembro de 1936, em Roma, deixando um legado literário que influenciou autores e filósofos do século XX.
Narrativa e estilo de escrita em Um, nenhum e cem mil
A narrativa é construída em primeira pessoa, dando ao leitor acesso direto aos pensamentos e sensações de Vitangelo Moscarda. O tom é introspectivo, analítico e, por vezes, irônico. Pirandello emprega uma linguagem fluida, com ritmo variável, alternando entre o fluxo de consciência e a narração de eventos simbólicos.
O estilo é marcado por repetições e digressões, que refletem o estado mental fragmentado do protagonista. Em vez de seguir uma estrutura tradicional, o autor opta por construir a narrativa a partir de reflexões, questionamentos e colapsos indenitários. Essa abordagem dá à obra um caráter quase ensaístico, transformando o romance em uma espécie de tratado existencial disfarçado de ficção. Em vários momentos, o narrador dialoga com o leitor, rompendo a “quarta parede” e aprofundando a sensação de metanarrativa e autoquestionamento.
Temas abordados em Um, nenhum e cem mil
- Identidade fragmentada: O livro mostra como somos percebidos de formas distintas por diferentes pessoas, questionando a existência de um “eu” fixo. Antecipando a psicologia moderna, destaca como o eu pode ser múltiplo e contraditório.
- Aparência versus essência: Critica as máscaras sociais que usamos e a distância entre o que somos e o que aparentamos ser, revelando a fragilidade da autenticidade.
- Loucura e lucidez: Explora a linha tênue entre perder a sanidade e alcançar uma forma mais pura de consciência. A loucura é apresentada como libertação da prisão das convenções.
- Isolamento existencial: Destaca a solidão daquele que decide abandonar os papéis sociais e viver em busca da verdade interior, revelando o preço da autenticidade.
- Crítica à normalidade: Questiona os padrões sociais impostos e os mecanismos que moldam a conduta considerada “aceitável”, denunciando a normatização do comportamento humano.
Comparação com outros livros do mesmo gênero
1- O estrangeiro, de Albert Camus
Assim como Um, nenhum e cem mil, também questiona o sentido da existência e a alienação do indivíduo perante a sociedade, com um protagonista introspectivo.
2- A náusea, de Jean-Paul Sartre
Ambos os livros compartilham a abordagem existencial, com personagens em crise de identidade que enfrentam o vazio da existência moderna. Sartre considerava Pirandello um precursor do existencialismo.
3- O processo, de Franz Kafka
Pirandello e Kafka exploram o absurdo da vida moderna e os labirintos da percepção e da burocracia social, através de narrativas densas e inquietantes. Ambos colocam seus protagonistas diante de uma lógica incompreensível.
Conclusão
Um, nenhum e cem mil é uma obra profunda, instigante e necessária para quem busca refletir sobre a própria existência. Através da crise de identidade de Vitangelo Moscarda, Luigi Pirandello nos conduz por um labirinto filosófico onde as certezas são desfeitas e a individualidade é desafiada a cada página.
Com estilo único, estrutura fragmentada e questionamentos atemporais, o livro permanece atual e relevante, sendo leitura essencial para apreciadores de literatura filosófica, psicológica e existencialista. A aparente simplicidade da premissa é apenas a superfície de uma análise penetrante sobre o ser humano em sua forma mais vulnerável e múltipla.
Nota final: ⭐⭐⭐⭐⭐ (5/5)
Título: Um, nenhum e cem mil
Autor: Luigi Pirandello
Editora: Penguin-Companhia
Páginas: 240
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